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HANS WELZEL |
O maior penalista alemão (e do mundo) de todos os tempos - assim considerado por muitos -, o Prof.º HANS WELSEL, da Universidade de Bonn (Alemanha), já chegou a desabafar, em sua obra
Derecho Penal alemán (1993, p. 83): "
delimitar o dolo eventual da culpa consciente é um dos problemas mais difícies e discutidos do Direito Penal".
No ano de 2010, o Ministério Público do Estado da Bahia, na 2ª fase do concurso para provimento do cargo de Promotor de Justiça, perguntou, no grupo III (Penal e Processo Penal): "decline, segundo o estágio atual do debate, os mais elucidativos critérios de distinção entre Culpa Conciente e Dolo Eventual, apontando, ainda, as mais importantes implicações práticas da aludida diferenciação na solução dos variados casos penais ". O candidato deveria discorrer em até 50 linhas.
Pois bem.
Essa indagação ("como distinguir, na prática, a culpa consciente do dolo eventual?") sempre me acompanhou, durante toda a Faculdade de Direito. Após ler as doutrinas que tive acesso, analisar julgados e conversar com criminalistas, sinceramente, até aquele momento, tive que me contentar com uma distinção elaborada na teoria, pois, no campo prático, minha visão continuava embaçada e permaneciam sérias dúvidas.
A jurisprudência pátria, sobretudo nos crimes de trânsito, começou a construir critérios e, muito mais do isso, a elaborar fórmulas práticas para julgar, como, por exemplo: haverá dolo eventual, quando houver embriaguez do motorista; mais de uma vítima; excesso de velocidade ou racha; e violência das lesões decorrentes do acidente.
Em todo o Brasil, essa fórmula tem levado Promotores de Justiça a oferecerem denúncia contra agentes por homicídio doloso (dolo eventual) e, via de efeito, a pronúncias ao Tribunal do Júri, para serem julgados por 07 pessoas leigas, que, provavelmente, terão muito mais dificuldades, do que o maior penalista da história da Ciências Penais (Hans Welzel), em diferenciar dolo eventual de culpa consciente.
Essa problemática potencializa-se, ainda mais, na diferença, gritante, de penas entre um homicídio doloso e um homicídio culposo. Para se ter uma idéia, a diferença entre as penas mínimas do dolo eventual (art. 121, §2º, CP - 12 anos) e da culpa consciente (art. 302, do CTB - 02 anos) é de 10 anos.
A doutrina penal, no mundo todo, discute calorosamente sobre os critérios para se diferenciar o dolo eventual da culpa consciente, o que fez com que surgissem dois grupos de teorias: i) as teorias intelectivas, ligadas à "consciência" e; ii) as teorias volitivas, ligadas à "vontade". Isso porque, considerando que o "dolo natural" tem como elementos a consciência e a vontade, uns apegaram-se ao primeiro, enquanto que outros apegaram-se ao segundo.
Dentre as teorias intelectivas, destaca-se a teoria da probabilidade, a qual parte da idéia de que, como é difícil, na prática, provar a "vontade" do agente, no momento da sua conduta, deve-se analisar se o agente prevê o resultado como de muito provável produção e, apesar disso, atua, admitindo ou não essa produção. Esclarece-se: se a probabilidade de ocorrência do resultado é grande e, mesmo assim, o agente continua a atuar, então, haverá dolo eventual. Enquanto que, se a probabilidade de ocorrência do resultado for supérflua, desta feita, haverá a culpa consciente.
Noutro giro, dentre as teorias volitivas, destaca-se a teoria do consentimento, a qual rebate o argumento da teoria da probabilidade, arguindo que, tanto no dolo eventual, quanto na culpa consciente, o agente prevê o resultado e, portanto, tem "consciência" da possibilidade de realização do tipo penal. Com efeito, a diferença somente poderá ser feita no campo da "vontade". Explica-se: no dolo eventual, o agente sabe da possibilidade do resultado ocorrer, mas o aceita, caso venha, realmente, a ocorrer - essa é a conhecida 2ª fórmula de (Reinhard) Frank: "independentemente do que possa acontecer, em qualquer caso, eu atuo" -. De outro lado, haverá culpa consciência se, embora saiba da possibilidade do resultado ocorrer, o agente espera que possa evitá-lo ou confia que ele não ocorra.
Hoje, após verificar, na prática, várias injustiças em casos concretos, vejo que, tanto a "fórmula prática" da jurisprudência, quanto as "teorias" da doutrina, são ineficientes, exigindo que os estudiosos do Direito Penal contemporâneos aperfeiçoem o critério de distinção do dolo eventual da culpa consciente.
Isso não quer dizer que eu defenda os agentes causadores de acidentes de trânsito, tampouco que lhes sejam declarada a impunidade. Definitivamente que não. Mas, quero dizer que os conceitos elementares da teoria do delito não podem ser distorcidos, sobretudo, em face do clamor social. Os critérios devem obedecer a uma racionalidade e não a uma passionalidade, sob pena de se aceitar a indesejável "responsabilidade penal objetiva".
Apesar de apesares... recentíssimamente, no dia 06 de setembro de 2011, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no julgamento do HC 107.801/SP, sob a liderança do voto do Ministro LUIZ FUX, magistralmente, delineou um critério para se diferenciar, na prática, o dolo eventual da culpa consciente, nos crimes de trânsito, ipsis litteris virgulisque:
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Ministro LUIZ FUX |
PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA.
ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A Classificação do delito como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do
due process of law, é reformável pela via do
habeas corpus.
2. O homicídio na forma culposa na direção automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual.
3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.
4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcóolicas no afã de produzir o resultado morte.
5. A doutrina clássica revela a virtude da sua justeza ao asseverar que "O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. §1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo. §2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato" (Guilherme Souza Nucci, Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: RT, 2005, p. 243).
6. A revaloração jurídica dos fatos postos nas instâncias inferiores não se confunde com o revolvimento do conjunto fático-probatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, rel. Min. Moreira Alves, DJ 17/8/1990.
7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se revela lex mitior, mas, ao revés, previu causa de aumento de pena para o crime sub judice e em tese praticado, configurado como homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB).
8. Concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302,
caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP. (
STF. HC 107.801/SP. Rel. Min. Luiz Fux. DJ. 06.09.2011).
Esse recente julgado do STF, conduzido pelo eminente Min. Luiz Fux, preenche um vazio na jurisprudência pátria e ao mesmo tempo contribui para o avanço da dogmática (doutrina) penal. Realmente, faltava alguém que tivesse capacidade intelectual, coragem (de uma decisão impopular aos olhos dos leigos) e equilíbrio, para enfrentar uma das mais difícies questões do Direito Penal: distinção, na prática, do dolo eventual e da culpa consciente.
Agora, de acordo com o recente precedente, nos crimes de trânsito, em todos os casos, presurmir-se-á que se trata de culpa consciente, porque o legislador previu tipo penal específico no art. 302, do Código de Trânsito brasileiro.
Isso quer dizer que, a partir de agora, o STF entende que somente haverá dolo eventual, nos crimes de trânsito provocados por embriaguez, quando houver embriaguez preordenada, ou seja, quando o agente embriagar-se com a finalidade de atropelar e matar ou, embora prevendo este resultado, aceitando-o.
Não configuram mais dolo eventual a embriaguez não acidental (voluntária ou culposa), ou seja, quando o agente embriagou-se, sem a intenção ou consentimento de atropelar e matar. Pelo menos, até surja uma prova lícita e inequívoca durante a persecução penal. Caso contrário, sempre haverá culpa consciente (homicídio culposo - art. 302, inc. V, do Código de Trânsito brasileiro).
Atualizem-se!
Forte abraço.